
José Luís Araújo, deputado municipal desde 2009, é o cabeça de lista à Câmara Municipal pelo Bloco de Esquerda.
O militante, que agarrou o desafio maior que o partido lhe lança para as eleições do fim do ano, acredita que é possível eleger um vereador para o executivo, atendendo a um quadro de conivência da coligação PSD/P com a medidas do Governo, mas também a um quadro de “ausência” do PS enquanto principal partido da oposição.
Consciente da exigência do desafio, promete ser “a voz que não se rende” no executivo, analisando processos com rigor, e exigindo transparência e critério à governação do município.
O Povo Famalicense (PF) – O que o leva a aceitar este desafio de liderar a lista à Câmara Municipal?
José Luís Araújo (JLA) - Esta candidatura decorre de forma natural, considerando a minha atividade política. Desde 2005, que entrei no Bloco de Esquerda, foi havendo uma evolução da minha intervenção. Primeiro com posições públicas que fui tomando, em crónicas, e depois, desde 2009, com a eleição para a Assembleia Municipal. Na Assembleia Muncipal tive um trabalho muito profícuo e interessante, conhecendo muito melhor o funcionamento das instituições, daí que o Bloco me lança o desafio de avançar como candidato à Câmara.
Tenho pela consciência de que este é um desafio muito mais difícil que os outros, mas também entendo que é muito mais estimulante. Era altura de aceitar o desafio, tanto mais que tenho sentido, de há alguns meses para cá, um apelo da população para que eu assuma esta posição. Para que, caso seja eleito, possa representar esta população na Câmara Municipal. Há uma identificação de muita gente comigo, com a minha maneira de estar, com aquilo que eu sou como pessoa, e isso também foi determinante para que eu tenha aceitado o convite que me foi lançado pelo partido.
PF – Um candidatura à Câmara implicará um trabalho político mais intenso?
JLA – Em 2009, sendo candidato à Assembleia Municipal, fiz um trabalho de bastidores e de campo muito intenso, que também acontece com este desafio à Câmara. A diferença é que, além desse trabalho de terreno, sou também a imagem que o Bloco transmite à população, e isso implica uma responsabilidade muito maior.
O quadro político é completamente diferente de 2009, uma vez que estámos perante uma profunda crise económica e social, e a minha função será muito mais difícil e exigente, mas que me leva também a ter muito mais empenho. O respeito que sempre tivemos para com as populações terá que ser ainda mais vincado, porque a maioria das pessoas está complemanete desencantada com a política e com os políticos. Os principais partidos, para além de não terem cumprido o que prometeram, defraudaram completamente as expetativas das pessoas.
PF – O Bloco quer provar que nem todos os partidos atuam da mesma forma?
JLA – Eu sinto que, nestas primeiras semanas de contacto com a população, como candidato, represento a esperança política que já tinham perdido. Isso é-me manifestado na rua diariamente. O Bloco cumpriu o que prometeu em 2009. Na Assembleia Municipal participou em todos os debates, nunca fugiu às questões, fiscalizou a Câmara, denunciou o que entendemos que não estava correto, apresentamos propostas alternativas, algumas delas foram aprovadas – umas estão já aos dispôr das populações, outras a Câmara Municipal ingorou-as, apesar de apresentadas na Assembleia. Mas sinto que as pessoas sabem isso, que o Bloco cumpriu o que prometeu. Para muita gente eu sou essa “janela” de esperança. Não sei se isso se irá refletir em votos, mas o contacto com a população é muito positivo.
PF – O Bloco assume como principal objetivo desta campanha a eleição de um vereador. Isso implica um aumento significativo da votação?
JLA – Terá que implicar forçosamente um aumento substancial da votação. Temos que ter em conta que o cenário político atual é muito diferente e estas eleições poderão ser uma “caixinha de surpresas”.
PF – Podem ser também um ponto de viragem para o partido?
JLA – Nós esperámos sinceramente que sim, apesar de todas as dificuldades de implantação que o Bloco tem no terreno. A imagem que as pessoas têm do Bloco é uma imagem positiva, de confiança, e nós acreditámos que isso pode resultar na eleição de um vereador.
A população percebe que é de facto precisa uma viragem política em Vila Nova de Famalicão. E no cenário político que temos o Bloco faz parte dessa mudança, forçosamente.
O Partido Socialista, como oposição nestes quatro anos, não conseguiu afirmar-se como real alternativa de poder. Isso é reconhecido, não é novidade. E se queremos de facto uma Câmara Municipal plural, em que haja uma democracia muito mais participada e discutida, terá que ser forçosamente com a eleição de um vereador da verdadeira esquerda. E esse interlocutor só poderá ser do Bloco de Esquerda. Estámos em crer que a população percebe isso facilmente. É necessário uma voz de esquerda que não se renda, que não fuja às questões, que apresente propostas alternativas. No fundo trata-se de transportar o desempenho na Assembleia Municipal para a Câmara Municipal. Isso é uma mais valia muito grande, porque quanto melhor fôr a posição, melhor poderá ser a governação.
PF – No entender do Bloco, teria sido possível ao PS fazer uma oposição diferente, tendo a coligação PSD/PP maioria?
JLA – É sempre possível. Basta ver que na Assembleia Municipal a coligação tem maioria, e o Bloco conseguiu afirmarse, ainda assim, como uma oposição muito forte. Isso pode ser claramente feito na Câmara Municipal.
PF – Esta governação é um reflexo dessa ausência de oposição a que se refere?
JLA – Sem dúvida que sim. A Câmara Municipal tem governado com maioria absoluta, e com um PS completamente ausente de discussões sérias e de propostas – aliás, o próprio presidente da Câmara teve a ousadia de dizer que não teve oposição.
À partida nós desejaríamos que houvesse uma esquerda a governar Vila Nova de Famalicão, porque esta direita populista não corresponde a tudo aquilo que entendemos que seria um desenvolvimento equilibrado do concelho. Mas, atendendo ao quadro político que temos, não criamos ilusões à população, e sabemos que neste cenário a nossa função será de oposição na Câmara Municipal. E mesmo assim é possível marcar uma posição muito mais vincada. Para que quem governa saiba que ali tem alguém que analisa a fundo tudo quanto é feito na Câmara, que exige rigor, que exige transparência, como fizemos na Assembleia Municipal, como fizemos cá fora. Mas na Câmara este trabalho terá um reflexo muito maior, porque a responsabilidade perante as promessas feitas tem que ser muito maior.
Mesmo para quem governa, entendemos, é vantajoso ter uma oposição forte, que não se renda, que se manifeste, que tenha uma posição muito mais ativa. No quadro que temos só um vereador do Bloco de Esquerda pode fazer isso, não temos dúvidas.
PF – O Bloco será essa voz ativa, caso chegue ao executivo?
JLA – Claro que sim. O registo da atividade da Câmara Municipal não pode ficar só nas atas. Não desmerecendo o papel da comunicação social, é preciso que a população discuta estes assuntos. O Bloco de Esquerda trouxe para a discussão vários assuntos que, mesmo na Assembleia Municipal, passariam ao lado. E nós trouxemo-los para a praça pública. Foram vários os casos. E queremos fazer isso também na Câmara Municipal. Entendemos que o órgão executivo tem uma importância muito maior em termos do funcionamento de toda a sociedade, e de todo o concelho, e o Bloco, pela sua intervenção, pela sua dinâmica, pode fazer toda a diferença.
Hoje, a grande maioria da população passa ao lado das discussões da Câmara. A população vê as imagens da propaganda, percebemos facilmente o resultado do populismo que esta maioria manifesta, mas isso não basta. Não pode ser assim. É necessário que o contraditório chegue às pessoas. E só quem esteja dentro das questões pode trazer esse contraditório às pessoas. É preciso uma voz diferente, que mostre às pessoas como as coisas são, e que podem ter outras alternativas.
PF – Esse contraditório não tem existido, é isso que deixa implícito...
JLA – Claro que não. E o PS tinha condições de fazer isso. O Bloco, só com dois deputados na Assembleia Municipal, conseguiu fazer a diferença, conseguiu criar outra visibilidade para temas fulcrais.
Evidente que, sendo a Câmara Municipal um órgão com menos representantes, um elemento do Bloco pode fazer ainda mais a diferença. O Bloco será, em qualquer circunstância, o garante do rigor, da transparência, fiscalizando todos os processos, chamando à atenção do que não está bem, e também
apresentando propostas.
PF – O Bloco, na apresentação da candidatura, não esconde que as questões sociais são a sua prioridade. Essa é a matriz das propostas?
JLA – As questões sociais não são novidade para o Bloco. A matriz do Bloco tem a ver com as pessoas, com o que as afeta no seu íntimo, na sua dignidade. Algumas das medidas sociais que a Câmara tem em vigor são, aliás, propostas do Bloco de Esquerda. Dou como exemplo o apoio social ao arrendamento, que está em vigor, ou o apoio a famílias carenciadas ao nível do 2.º ciclo, que não existe. Esta última medida, apesar de aprovada na Assembleia Municipal nunca foi concretizada pela Câmara.
No quadro social que temos, nenhum político sério pode passar ao lado desta crise social. É um quadro dramático e só quem contacta com as pessoas no dia-a-dia consegue perceber essa realidade. O desemprego continua a aumentar, há famílias a passar necessidades extremas, e temos um Governo que só se preocupa em cumprir o défice, em obedecer à “troika”, ignorando completamente o desespero das população. A Câmara, com a proximidade que tem, com os meios que ainda tem, pode e deve fazer a diferença no terreno. Porque, caso contrário, as pessoas ficam à sua mercê, esquecidas, e isso o Bloco não pode aceitar.
O Bloco está atento a esta realidade, tem de resto um Programa de Emergência Social que contempla algumas medidas, mas, para além dessas, atendendo ao caso específico do concelho, tem que haver outras medidas.
Em termos sociais tem havido uma articulação entre todas as instituições, no sentido de ajudar as populações, mas é possível um papel diferente da Câmara Municipal. Se for necessário deixar algumas obras por fazer para acudir às necessidades das populações, é isso que entendemos que tem que ser feito. Tem que haver uma mudança de paradigma na Câmara Municipal a este respeito.
PF – O Bloco não ingora esse cenário de descontentamento das pessoas quanto ao Governo quando estabelece como meta a eleição de um vereador?
JLA – Nós não agimos em função desse tipo de táticas políticas. Mas está á vista de todos que não é possível separar o PSD/PP do Governo do PSD/PP do concelho. No caso dos CTT, por exemplo, nós vemos os partidos a tentar dar uma imagem a nível nacional e outra a nível local, mas não nos podemos esquecer que o candidato da coligação PSD/PP nunca mostrou nenhum tipo de oposição às medidas gravosas que o Governo tem vindo a tomar, e que têm reflexos muito graves no nosso concelho. Apesar de tentarem dar uma imagem diferente, as pessoas sabem que não é possível estar dos dois lados da barricada. De manhã a apoiar as medidas do Governo, e à tarde ter com um discurso completamente diferente, a fazer de conta que se está do lado das populações. Temos que perceber como é que o candidato da coligação vai agir, se for eleito presidente, e o que é que vai influenciar as suas decisões. Se aquilo que promete aos famalicenses? Se aquilo que o partido lhe impõe? Os famalicenses têm que perceber isto!
Mas a nível local há um dossier que revela bem o que é a postura da coligação face às medidas do Governo. E tem a ver com a Reforma Adminsitrativa. Agora dizem que vão apresentar 49 candidatos, que vão manter as Juntas de Freguesia abertas, quando estão a contradizer todos os argumentos que usaram para levar àvante esta reforma. Isso é uma falta de respeito clara para com os famalicenses. Esta coligação fez uma reforma que terá efeitos muito fortes junto da população, impedindo a participação das populações, fez uma lei que contorna a Constituição, e só por isso esta coligação merece um castigo muito grande da população nas próximas eleições.
O Bloco propôs um referendo local. Foi o único partido que o fez, e os restantes partidos impediram que isso acontecesse. A população não pode esquecer esta realidade. Não é só a crise que poderá levar as populações a castigar a coligação PSD/PP, mas também esta postura.
PF – A questão da reforma administrativa é a expressão máxima do que o Bloco censura em termos do que separa ou aproxima a coligação local e nacional?
JLA – A forma como a coligação geriu em Vila Nova de Famalicão a reforma administrativa é vergonhosa. Primeiro tentaram esvaziar a discussão na Assembleia Municipal criando uma Comissão. Uma Comissão que não chegou a nenhuma conclusão, porque não podia. Depois apresentou uma proposta irrealista, e, pior do que isso, impediram que as populações discutissem e se pronunciassem.
O Bloco compreende até a necessidade de uma reforma, mas as populações tinham que ser chamadas a participar neste debate. É uma falta de respeito por elas alterar a sua identidade histórica, à sua revelia. Não podemos pensar que as populações só têm opinião de quatro em quatro anos.
Depois da forma como a coligação geriu este processo, vir agora, depois de ver o impacto que vai ter, tentar iludir as populações, contraria totalmente a sua anterior postura.
PF – Porque é que votar no Bloco é voto útil?
JLA – Votar no Bloco é voto útil porque o Bloco é uma voz que não se rende, que analisa as questões, que nunca fala de cor. Quando se maifesta manifesta-se com conhecimento da situação. Fomos durante este mandato a voz da esquerda em Vila Nova de Famalicão, na Assembleia Municipal, e queremos que o Bloco seja essa voz da esquerda na Assembleia e na Câmara Municipal. Para equilibrar as decisões, para que não seja apenas a decisão de uma pessoa que conta. Só com um vereador do Bloco de Esquerda é que isso será possível. Os famalicenses entendem facilmente, estou certo, que faz falta um vereador do Bloco do Esquerda na Câmara Municipal.
Entrevista por Sandra Ribeiro Gonçalves para O Povo Famalicense